Cantor aponta para concorrência desleal nos festejos juninos
Jorge de Altinho, resgate das
tradições
foto: divulgação
"Santos
Dumont inventou o avião pra transportar passageiros e encurtar as distâncias,
quando ele viu que estavam usando pra guerra, suicidou-se. Eu não vou me
suicidar, mas fiz os metais de qualidade, com arranjos do maestro Duda, então,
quando vejo umas drogas dessas hoje, sem qualidade, sem arranjos, de certa
forma me arrependo de ter botado os metais no meu forró". O desabafo é de
Jorge Assis de Assunção, o cantor de forró Jorge de Altinho, responsável por
uma renovação no gênero no início dos anos 1980, quando trouxe para o forró uma
azeitada metaleira, com arranjos de nomes como o maestro Duda ou Sivuca.
Por "drogas" entenda-se bandas de fuleiragem, às quais não se esquiva de criticar, mesmo estando com uma fornida agenda junina: "Este ano tem um pouco menos de show, há uma invasão danada desses grupos, dos sertanejos do Sul, o que me deixa triste porque a gente espera onze meses para fazer o São João. Então os caras do Sul vêm, os prefeitos não têm dinheiro, os produtores bancam pra depois receber. Um artista que tem 36 anos de carreira como eu, quando era contemplado pelo governo do Estado, me davam três shows. Desses três a gente paga o transporte, a banda paga os dois mil pra luz de palco, refeição do pessoal, para receber oito meses depois. Este ano eu não quis. É melhor estar com um pouco do meu dinheiro guardado".
Jorge
de Altinho ainda tem munição para encarar as multidões de fãs de sertanejos
porque pegou as gravadoras no auge e as rádios com uma programação eclética.
Ele tem pelo menos duas dezenas sucessos, que continuam bem tocados. São
clássicos como Sigilo, Correnteza, Petrolina Juazeiro, Sou Feliz, Tamanho de
Paixão, Nem Ligue, Devagar, Confidências, compostas sozinho, ou com parceiros
como Petrúcio Amorim: "Conheci Petrúcio em Caruaru, fui dar uma entrevista
na Rádio Liberdade e aquele rapaz magrinho falou comigo, dizendo que tinha umas
músicas. Fomos na casa da irmã dele, Elba, e ele mostrou umas já prontas outras
para dar umas mexidas. Foi um casamento feliz", elogia. O compositor Jorge
de Altinho surgiu de maneira inusitada primeiro do que o intérprete e
gravado por dois monumentos da música nordestina e brasileira: o Trio
Nordestino e Luiz Gonzaga.
HISTÓRIA
No
final dos anos 50, seu Anízio Brazilino Assunção, pai de Jorge, decidiu vender
o posto de gasolina que possuía no bairro da Encruzilhada, zona norte do
Recife, e a casa em Salgadinho, Olinda (o cantor é olindense). A ideia era
levar a família para Altinho, terra da esposa, dona Maria de Assis Assunção. O
município fica muito perto de Caruaru, onde ele ia constantemente e diz ter se
impregnado de cultura nordestina: "A feira se espalhava pelo Centro,
então, em cada esquina tinha uma manifestação cultural, o coquista, dois
violeiros, um sanfoneiro, aboiadores, lembro muito bem de senhores lendo
folhetos, com aquela roda de gente".
Na
adolescência Jorge se passou para as hostes do iê iê iê como vocalista dos Big
Boys, conjunto formado com amigos de Altinho, com instrumentos doados por um
político. No entanto, quando aflorou o veio musical, passou a compor valendo-se
dos diversos ritmos embutidos no coletivo forró. Em 1975, passou num concurso
público e assumiu o cargo no Sertão do Araripe, onde conheceu o Trio
Nordestino: "Por coincidência foi num posto de gasolina que encontrei o
trio. Reconheci pelas capas dos discos. Conversei com eles e disse que era
compositor. Emplaquei logo duas músicas no LP Forró Pesado (1975), depois mais
uma no Alegríssimo Trio Nordestino (1976)".
Gravado
pelo Trio Nordestino, foi mais fácil chegar ao Rei do Baião: "Um dia fui
na casa de Luiz Gonzaga, que já sabia que eu tinha umas coisinhas gravadas com
o Trio Nordestino. Ele me recebeu bem, me convidou pra passar um final se
semana com ele. Fomos para uma inauguração numa cidadezinha lá perto e, na
volta, lembrei de um sujeito de lá que fedia muito. Sentei com Gonzaga, liguei
o gravador, ele pegou a sanfona, e foi assim que saiu Mané Gambá, que ele
gravou no LP Capim Novo", conta Jorge de Altinho.
De
volta ao Recife, começou a a carreira de cantor lançando o primeiro disco pela
Odeon, que não aconteceu. A RCA, gravadora na qual teria sua fase maior sucesso
comercial, o descobriu por tabela. Um disco que iria lançar pela Polydisc foi
prensado na fábrica da gravadora no Rio, onde o pessoal ficou querendo saber
quem era o artista de que estavam prensando tantos discos: "Curioso é que
o vinil foi da RCA e a capa da Continental. O disco chegou primeiro, então as
pessoas compravam o LP para depois vir buscar a capa".
Compravam
porque o disco estourou quase todas as faixas, o que tirou o forró do ingrato
horário das quatro às seis da manhã para o horário nobre, tanto nas AMs quanto
nas elitistas FMs de então: "Em FM só tocava Chico Buarque, Milton
Nascimento, então pensei em fazer um forró com letras mais urbanas, continuar
com as características básicas, zabumba, triângulo, sanfona, mas acrescentar
metais. Quando falei para Luiz Gonzaga ele ficou meio assim, mas depois fez
participações em discos meus, ele e Dominguinhos.
O
novo disco de Jorge de Altinho não tem metais. É um mergulho no forró mais
tradicional, na contramão do que se toca nos grandes arraiais do Nordeste neste
época: "Este ano, ouvindo e vendo na TV essas músicas que degradam a
mulher, tirei os metais. Fiz um trabalho de resgate da nossa cultura. Neste
disco tem o xote, tem o baião, samba de latada, o forró pé de serra
instrumental. Fizemos uma capa xilografada, em cima dos folhetos de feira.
Também não usei fotografia minha, usei xilogravura, tem versos de Braulio
Bessa, um cearense amigo nosso. É um disco que tem cara de resgate
cultural", explica.
Nativo,
o novo disco de Jorge de Altinho, foi produzido por pelo tecladista Tovinho,
com uma banda que tem nomes como Bozó 7 Cordas, Kiko Farias (guitarra), Quartinha
(zabumba triângulo), Luizinho de Serra (sanfoneiro, e que assina os arranjos),
e Edno Silva (bateria). Com projeto gráfico de Juliana Souza e Perron Ramos,
está disponível para download no site do cantor: www.jorgedealtinho.com.br
Postar um comentário
Blog do Paixão